Ganhadores

“A nossa melhor recompensa é conseguirmos salvar algumas vidas”
Airam Fernández, é uma das jornalistas que fez parte da equipe do jornal Últimas Notícias que produz o especial multimídia “Pinchanalgas al garete”, que foi vencedor do Prêmio Roche de jornalismo em saúde na categoria Internet. O resto dessa equipe foram Tamoa Calzadilla, Jesús Alberto Yajure e Laura Weffer.
Este trabalho de pesquisa abrange os casos de mulheres que morreram ou sofreram complicações graves de saúde por causa das injeções de polímeros para aumentar o tamanho dos glúteos. Durante dois meses, sob a técnica de imersão, a equipe jornalística mostrou este problema de saúde pública e revelou a existência dos escritórios clandestinos e condições de baixa qualidade as quais eram submetidos os pacientes pelos baixos custos dos procedimentos.
Nesta entrevista, Airam Fernández conta como foi o processo para conseguir este trabalho que o destacando o uso de novas narrativas e a integração dessas ferramentas em uma estrutura inovadora e atraente para o leitor/usuário.
Como é que chegaram ao tema e por que consideraram que era interessante para trabalhar?
Principalmente porque começamos a assistir notícias de mortes causadas por cirurgias estéticas ou procedimentos desse tipo, frequentemente nas páginas dos nossos jornais. Já no passado tinha explodido o escândalo das próteses mamarias PIP que se alargou pela Franca, Estados Unidos e toda América Latina e obviamente um país como a Venezuela, onde as cirurgias estéticas tem grande recebimento nas mulheres, não ficou por trás. No início, quando começou nossa pesquisa, acreditamos que o assunto podia estar ali, pelo tema das próteses mamárias. Mas não foi assim: quando avançamos na pesquisa percebemos que a maioria das mortes no país foram provocadas por injeções com bio-polímeros e dessa vez compreendemos tudo: quando o Ministério de saúde proíbe a aplicação e uso destas substancias pela grave perigo (final de 2011), surge um mercado clandestino onde alguns, sem serem médicos cirurgiões, dedicaram-se a atender a demanda de mulheres que procuravam aumentar seus glúteos e que acreditavam que, injetando essas substancias, não iria acontecer nada com elas.
Como foi que planejaram o enfoque e a estrutura da história?
Quando identificado o angulo principal da história que queríamos contar, decidimos procurar pelo menos cinco lugares clandestinos onde fizessem esses procedimentos. Isso demorou três meses, encontrar os lugares precisos, porque no início deparamos com vários locais em uma zona de Caracas (o centro) e foi difícil ter uma amostra da cidade toda. Quando conseguimos e quando tivemos todos os depoimentos destes locais, com os médicos que nos deram seu apoio para atender o fenómeno e sua severidade, e com as mulheres afetadas que ajudaram muito na construção do trabalho, escolhemos uma protagonista: uma garota que felizmente não morreu, mas que ainda sofre as consequências das injeções. Graças a ela chegamos a um dos lugares indicados na reportagem e com isso unimos ambas as histórias, tanto o relato da vítima quanto o relato dos vitimários.
Quais valores éticos nortearam a realização desta história?
Encerrando a fase de pesquisa e após avaliar a enorme quantidade de material, historias, depoimentos e a grande quantidade de informação comprometedora e delicada coletada, tivemos um debate ético sobre como seria escrita a história. Discutimos a pertinência de revelar ou não os nomes dos proprietários dos locais. Também houve um debate sobre revelar ou não os nomes das afetadas. No final, decidimos que não, porque em primeiro lugar não tivéssemos podido obter a informação que precisávamos. E, atenção, somente fizemos isto por se tratar de algo que atentava contra a vida humana e porquê de alguma forma queríamos fazer uma denúncia argumentada. Com essas jovens houve, sim, uma total honestidade, mas não quisemos expô-las pela questão de proteção da fonte e pelo delicado do assunto que estávamos tratando.
Qual o maior desafio que tiveram na hora de desenvolver o trabalho?
Primeiro, o dilema ético apresentado quando você está com a fonte mas não pode dizer para ela que você é um jornalista. Em segundo lugar, e no meu caso especifico, pelas tarefas que teve que fazer: ter que me despir da cintura para baixo, para que os “peritos” me examinassem.
Qual o maior aprendizado jornalístico que tiveram na realização desta história?
Na Venezuela, um país tão polarizado, ultimamente os temas jornalísticos estão encaixados em enfoques políticos. É obvio que isso aconteça no meio dessa conjuntura, mas vale a pena afastar-se um pouco, olhar para além e dar um espaço a isso que ninguém está percebendo. É difícil afastar-se da cobertura diária, mas sem dúvida nenhuma esse foi um trabalho que, conduzido pelo olfato, virou uma denúncia de peso que acendeu os alarmes no setor da saúde. A melhor recompensa é que conseguimos salvas vidas.
Qual sua visão do jornalismo em saúde na América Latina?
Infelizmente, na Venezuela não estamos nem perto dos avanços sucessos atingidos em outros países da América Latina e somente posso falar por este caso, porque é o que conheço bem. Embora seja verdade que o papel dos jornalistas latino-americanos tem sido muito importante na hora de levar informação às populações mais carentes e excluídas dos seus países, pela abertura dos governos – alguns em maior medida dos que os outros- de garantir que o atendimento de qualidade possa chegar a tais populações, os jornalistas venezuelanos não temos a mesma boa sorte, mas temos, sim, uma enorme responsabilidade, principalmente na atualidade.
Apesar de não contarmos com cifras nem acesso a fontes oficiais no setor da saúde –e na maioria dos setores- não temos desistido de informar sobre a crise sanitária que se tem aprofundado no nosso país no último ano, sobre a escassez de medicamentos e a falta de produtos médicos, sobre a degradação inquestionável dos hospitais, ou sobre as providencias que deveram adoptar as clínicas de deixar de programar cirurgias para atender emergências, porque o inventário que resta não é suficiente para atender toda a população. É um trabalho de formiga que estamos fazendo junto com as agremiações e pacientes, para conseguir que a informação possa chegar a maior quantidade possível de pessoas.
O que significa para vocês o fato de serem vencedores do Prêmio Roche de Periodismo em Saúde?
Um grande orgulho e uma recompensa por um trabalho no qual colocamos todo o coração. O prêmio chegou neste momento tão difícil para a equipe, porque desde há alguns meses tínhamos deixado de trabalhar juntos. A venda do maior conglomerado de mídia do país, antiga Cadena Capriles, agora Grupo Últimas Notícias – onde foi publicado Pinchanalgas al garete-, obrigou-nos a seguir seus próprios caminhos. Este prêmio foi um reconhecimento para um trabalho em equipe, que ainda celebramos, mas que foi principalmente um folego e um impulso para continuar fazendo o jornalismo que sabemos fazer, cada um desde sua trincheira.